Frequentemente me deparo com o bizarro no meu dia-a-dia, mas são ocasiões simples demais para se tornarem verdadeiras notícias. Por isso comecei já no post passado a série "relato bizarro", para contar esses eventos únicos que presencio.
Pois bem, hoje foi um dia bizarro. São Paulo é bizarra aos domingos. Imagino que as pessoas "normais" (e coloco as aspas porque, afinal, de perto ninguém é normal) ficam em casa comendo macarronada ou vendo a final do campeonato de futebol. O bizarro, sozinho nas ruas, se destaca. Só hoje, na categoria automobilística, encontrei um fusca cor-de-rosa com purpurina e um carro com um adesivo "transplantado a bordo", como "bebê a bordo".
Para coroar o dia, fui assistir à Ópera Dido e Enéias, que teve três apresentações na Central de Produção do Teatro Municipal. Se foi bom ou ruim, ainda não sei dizer, mas sei de uma coisa: FOI MUITO BIZARRO.
Rapidamente: Dido e Enéias é uma ópera inglesa do século XVII que conta a história de Enéias (da Eneida, aquele mesmo que fugiu de Tróia e fundou Roma) em Cartago e seu romance com a rainha Dido. Uma feiticeira que quer destruir Cartago e sua rainha finge que os deuses enviaram uma mensagem a Enéias ordenando que ele deixasse Cartago. Enéias parte e Dido morre.Trágico como toda a ópera deve ser.
Pois bem, na Central de Produção, o lugar onde são montados os cenários das obras encenadas no Teatro Mvnicipal, o cenário não poderia ser muito elaborado. São galpões e não um palco. A montagem precisava aproveitar o lugar e não renegá-lo. Até aí, tudo correndo como esperado.
Começa a ópera. O cenário são as escadas, os andaimes, as ripas do galpão. Há um caminhão parado no fundo, fechando o espaço. Alguns atores fazem um prólogo, andando por aquele monte de ferros e madeira. No caminhão eles primeiro escrevem "art" e depois completam "cartago"
Até aqui... bizarrinho.
Começa o primeiro ato, cantoria, os cantores vestidos com roupas elegantes, mas modernas. Até aí, nada que surpreendesse.
Termina o primeiro ato. "Cartago", escrito no caminhão, vira "descartago" (?!?) O caminhão sai da frente do galpão (vento frio congela a platéia).
Início do segundo ato! Gente, agora começa a esquentar.
A feiticeira aparece. De início pensei que ela havia sido vestida como uma diretora má de escola primária, mas depois percebi que ela e seus seguidores foram representados como crentes, com direito a sessão de descarrego e "bíblia" nas mãos. Por que? Não sei.
Volta ele o grande ator da ópera. Não, não o Leonardo Neiva (Enéias), quase irreconhecível sem sua fantasia de vilão-de-filme-de-ficção-científica-dos-anos-80 usada em Sansão e Dalila. O grande ator é o Caminhão. Ele volta de ré. Os atores abrem a porta de trás e lá estão Dido e Enéias... não tem termo melhor... se pegando. Enéias coloca a camisa para dentro da calça, fecha o zíper (não tô brincando), acende um cigarro e sai para conversar com as pessoas da corte da Dido.
Por causa de um feitiço da bruxa-crente começa uma terrível tempestade (representada por um esguicho). A corte entra no palácio (eles estavam caçando no bosque de carvalhos. Qualquer problema de geografia, reclamem com o pessoal do séc. XVII). Enéias fica sozinho. Chega o serviçal da bruxa-crente, disfarçado como Mercúrio, o mensageiro dos deuses
E sim, Mercúrio estava em uma moto empurrada por atores, vestido de laranja, com um envelope da FEDEX na mão. O envelope continha a mensagem (falsa) de Júpiter ordenando ordenando que Enéias deixasse Cartago.
Nesse momento eu tive que me segurar na cadeira para não cair no chão rindo.
Terceiro ato. Os troianos vão deixar Cartago, em tese, de navio. Mas, hoje em dia, como você iria para a Itália? De avião oras. O que fez então o cenógrafo? Colocou um ônibus amarelo em cena (que não tinha nem metade do talento do Caminhão). Os atores colaram na lateral o logo da Alitália (sorte o motorista do ônibus não ter feito greve...). Os marinheiros entram no busavião e vão embora.
Interlúdio. Os atores entram em cena fazendo uma barulheira danada, batendo nas folhas de zinco, arrastando vergalhões de ferro, movendo a empilhadeira (porque não fizeram essa zueira durante a terrível tempestade? Não sei, acho que não tenho capacidade para entender algo tão abstrato). Mais cantoria dos crentes. Enéias aparece, diz que vai ficar, Dido o manda embora. Ela canta seu lamento e morre.
Agora, vocês esperam que ela morra como? Não esperem nada. A montagem foi além da nossa imaginação mortal.
Ela se enrosca em uma fita zebrada e liga um radinho que tem a própria voz gravada, cai de lado e morre. Um moleque entra no palco e a cobre com plástico bolha. Durante todo o final da ópera, enquanto o coro canta sua tragédia, ela fica lá enrolada (e resiste bravamente a estourar as bolhinhas do plástico bolha).
Fim.
Não se enganem, os cantores eram bons e foi divertido. Eu teria dado maior participação ao novo talento revelando, o Caminhão. E teria feito Mercúrio um oficial de justiça. Inclusive condiz mais com a versão dele como "deus dos ladrões" (em alguns casos muuuuuuito raros, claro).
PASSO O PONTO
Há 5 anos
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